No dia 17 de agosto de 2017, apresentei uma oficina virtual pelo Proz.com dedicada ao papel do tradutor na nova era da publicação digital. Falamos sobre a relação entre o tradutor e os escritores autopublicados, como formar parcerias para oferecer os livros dos autores independentes em outro idioma e como os tradutores podem publicar as suas traduções ou conteúdo próprio.
Cobrimos os seguintes tópicos durante a apresentação do vivo:
• Como entrar na área de tradução e publicação editorial
• Como selecionar o material que deseja publicar
• Como negociar com escritores autopublicados
• Quais papéis o tradutor precisa desempenhar em um projeto de publicação independente
• Como uma plataforma de autopublicação funciona
• Obstáculos e dificuldades a serem enfrentadas
• Seleção de formato e meio de publicação
• Informações sobre canais de distribuição para levar o livro até o leitor
• Como promover os livros que você traduziu
Clique aqui para ter acesso ao vídeo da oficina
Aqui vão as perguntas feitas ao fim da apresentação, assim como as recebidas por e-mail após a palestra:
Onde encontro livros em domínio público, principalmente em inglês?
As leis de domínio público são diferentes em cada país, então a primeira coisa que você precisa fazer é estudar a legislação relevante. O melhor local para encontrar material é o Project Gutenberg, porque se um livro estiver disponível lá, é porque o autor já faleceu há muitas décadas e a obra está liberada para uso e derivação. Existe também um site chamado Translationum, da UNESCO, que compila traduções de livros publicadas no mundo inteiro. Outras fontes incluem FeedBooks, OpenLibrary, Internet Archive e Domínio Público, mantido pelo governo brasileiro para material em português (original ou traduzido).
A tradução de material em domínio público não atrai plágio e pirataria?
Depende de onde você vai disponibilizar a tradução. No caso mencionado na palestra, o tradutor disponibilzou capítulos traduzidos em seu próprio blog e pessoas mal intencionadas se aproveitaram da produção intelectual do tradutor para publicar um livro em português sem dar crédito ou apontá-lo como detentor dos direitos autorais da tradução (leia mais aqui e aqui). O mesmo acontece com os autores que disponibilizam material em sites como Medium e Wattpad, pois qualquer pessoa pode acessar e acabar reutilizando aquele material. Porém, quando publicado de acordo com as diretrizes editoriais vigentes, um livro traduzido ou não seria teoricamente protegido pela indicação do autor no registro do ISBN. Mesmo assim, conforme mencionado, existem editoras que estão reciclando material no Brasil (leia mais aqui), alterando o mínimo possível ou somente atualizando a ortografia, e publicando traduções sob nomes fantasmas sem dar crédito ao tradutor original. O importante é ficar sempre de olho e denunciar os casos suspeitos ou concretos.
Onde posso publicar os meus próprios livros?
Lembre-se que existem vários sites de publicação de livros por aí, então pesquise e compare para se informar. Verifique se dá para encomendar uma cópia impressa de teste antes de publicar o livro de fato, quanto cada site cobra de comissão por livro vendido, em quais canais o seu livro seria distribuído etc. Depois de encontrar uma plataforma que funciona para você, envie o arquivo para dar início ao processo de autopublicação. As opções mais conhecidas são o CreateSpace e o Kindle Direct Publishing, ambos da Amazon, que cuidam de livros impressos e eletrônicos, respectivamente. Existem ainda Lulu, Smashwords, Book Baby e iBook, entre outros.
Como você geralmente aborda um escritor novo?
Uso muitos canais, como os mencionados na apresentação. Basicamente, acredito que os tradutores precisam se educar, investigar o trabalho do escritor antes de estabelecer contato. Dessa maneira, você pode ver se tem chances de dar certo, ou seja, se o autor escreve sobre algo do seu interesse e se o material tem potencial para fazer sucesso com o público-alvo, de acordo com as tendências do mercado que você já observa dentre os leitores do idioma de chegada.
Você tem conselho sobre o que dizer ou o que não dizer ao entrar em contato com um escritório autopublicado? É melhor ser bem breve ou entrar em detalhes?
Eu tenho uma carta modelo que uso para o contato inicial para uma possível colaboração. Eu me apresento, explico como fiquei conhecendo o trabalho do autor e falo do potencial que o livro poderá ter no mercado internacional junto ao público-alvo. Dali em diante, o negócio é ir conversando sobre como formar uma parceria e ir desenvolvendo o processo de negociação.
Quem publica o livro traduzido? O tradutor ou o escritor?
Tudo depende do tipo de negociação entre vocês. Na maioria das vezes é o autor autopublicado que vai disponibilizar a tradução que você fez, assim fica na mesma página de autor dele na Amazon e em outros sites. Às vezes você acaba até ajudando, seja porque o escritor não tem muita facilidade para fazer tudo por conta própria e talvez tenha contratado alguém ao publicar o próprio livro original, ou porque a publicação acontece em um site que está num idioma que o escritor não compreende. Porém, conforme mencionado na apresentação, existem escritores que liberam totalmente o direito sobre a tradução para o próprio tradutor. Nessa caso, você seria responsável não só pela tradução, mas também pela formatação e publicação do material.
Como posso provar que sou detentora dos direitos autorais de uma obra?
Todo livro publicado precisa de um registro, que mundialmente é o ISBN. Associado a esse número estão não só o título e o gênero do livro, mas também o detentor dos direitos autorais. O registro pode ser feito em locais diferentes, dependendo do país, mas se você for publicar por conta própria e usar o CreateSpace, por exemplo, tem como adquirir um ISBN durante o processo de publicação.
Faz alguma diferença eu publicar traduções ou material original como pessoa física ou jurídica?
Acredito que não faça diferença no contato com escritores autopublicados, mas vai afetar bastante a parte financeira. Dependendo do país onde você mora, se for pessoa física e começar a receber rios de dinheiro com uma publicação (seja em decorrência dos direitos autorais divididos com o autor ou ao ter publicado material por conta própria) talvez você pague um imposto muito maior. Se for pessoa jurídica, o imposto poderá ser menor, dependendo do enquadramento empresarial. Seria o mesmo tipo de precaução que você tomaria como tradutor, decidindo se vai ser autônomo ou registrar empresa no seu nome.
Você já traduziu autores publicados por editoras? O processo é muito diferente?
Nunca trabalhei com uma das grandes editoras no Brasil ou no exterior. Já trabalhei com algumas pequenas e de médio porte e gostei muito. Elas geralmente têm um portfólio menor, então você pode ter um contato mais próximo com os escritores, conversando diretamente com eles e até participando das campanhas de marketing. Isso geralmente não acontece no caso de uma editora grande, onde você é apenas uma das engrenagens do processo. A maior diferença talvez seja a parte da negociação, pois no trabalho com uma editora você só recebe pelo volume, seja de palavras ou páginas, então dificilmente haveria uma abertura como no caso da negociação direta com o escritor autopublicado, onde há mais flexibilidade e a oportunidade de divisão lucros sobre as cópias vendidas.
De acordo com a sua experiência, os escritores autopublicados estão mais abertos a pagar pela tradução integralmente ou dividir lucros sobre as vendas?
Sinceramente, já vi de tudo, desde o extremo de escritores que têm um emprego fixo, escrevem por prazer, não esperam enriquecer com a venda dos próprios livros e, consequentemente, liberam os direitos autorais da tradução 100% para o tradutor, até aqueles escritores que tinham como projeto de vida traduzir o livro para outro idioma, guardaram dinheiro para isso e pagarão o preço total para o tradutor ao longo do projeto. Ou seja, cada caso é um caso e é necessário negociar tudo nos mínimos detalhes para o projeto dar certo.
Qual foi a divisão máxima de lucros que você já negociou com um escritor?
Tudo depende do acordo que vocês tiverem. Alguns liberam todos os direitos para o tradutor, então você mantém 100% dos direitos autorais. A maioria se sente à vontade com 60% a 55% para eles e 40% a 45% para o tradutor. Outros querem fechar em 70% a 80% para eles e 30% a 20% para o tradutor. Neste último caso, é recomendável combinar um preço inferior por palavra ou página além dessa divisão menor de lucros e pedir pagamento adiantado do preço fixo antes da entrega.
De acordo com a sua experiência, é melhor receber o pagamento total ou negociar a divisão de lucros?
Sempre é ótimo receber o pagamento total, ou pelo menos prestações ao longo do projeto, no caso do trabalho com escritores autopublicados. Dessa maneira, você saberá exatamente quanto receberá pelo trabalho, como acontece com qualquer projeto tradicional. No entanto, se você decidir cobrar um preço menor para receber também parte dos lucros com as vendas, lembre-se de que está correndo um risco. Isso significa que provavelmente não vai receber o "preço cheio" que teria cobrado tradicionalmente por palavra ou hora e vai ter que ficar torcendo para o livro vender bem (e promovendo o material), assim você recebe o tal "royalty". Em outras palavras, alguns escritores viram sucesso do dia para a noite, mas esse não é o caso com muitos deles. Se você encontrar um diamante bruto, os lucros sobre as vendas poderão ultrapassar o que você teria cobrado tradicionalmente. Contanto que você esteja ciente dos riscos, a divisão de lucros pode ser uma boa abordagem.
Se você combinar de dividir lucros, como tem acesso aos números?
É preciso indicar no contrato que você quer receber um relatório trimestral, assim poderá ver quantos livros foram vendidos e calcular a sua parte de acordo com a proporção combinada. Os escritores têm acesso a esse relatório, que é gerado pelas plataformas de publicação, então vocês precisam combinar tudo para criar uma colaboração fundamentada em confiança mútua.
O que você sugere para ajudar a vender o livro? Existem outras opções, além de oferecer cópias gratuitas por tempo limitado?
Tem a boa e velha campanha boca a boca. Coloque-se no lugar do leitor: você provavelmente pararia para ler um livro ou adquirir um produto se um conhecido o recomendasse, certo? É o mesmo que acontece neste caso, seja com livro traduzido ou escrito originalmente por você. Oferecer o livro gratuitamente durante um fim de semana, por exemplo, é uma boa tática para aumentar a quantidade de downloads e, consequentemente, ganhar visibilidade. Também é sempre bom incentivar os leitores a escreverem uma resenha ou deixarem um comentário, principalmente na página do livro na Amazon, pois isso pode influenciar outros leitores e aumentar a quantidade de recomendações feitas pelo próprio site.
Como nunca traduzi um livro, acho difícil estimar o tempo que levaria. Quanto tempo você levou para concluir as suas traduções?
É bem relativo. Você sabe quantas palavras consegue traduzir em uma hora, um dia ou uma semana sob circunstâncias normais? Essa média será bastante semelhante para a sua produção literária. Outra variável: você leu o livro antecipadamente e construiu imagens na sua mente ou vai lendo conforme traduz? A primeira opção pode ajudar a agilizar a tradução. Mais uma variável: o livro é bem escrito e a transposição para o outro idioma acontece mais facilmente, ou o estilo do autor não está ajudando na hora de encontrar soluções no seu idioma para manter esse estilo? Uma última variável: você conhece bem o assunto que o livro trata, ou a história tem um subenredo que fala sobre algo que não lhe é familiar e você vai precisar pesquisar bastante para a tradução ser vista como legítima diante de leitores que entendem do assunto? Tive livros que terminei de traduzir em cerca de 15 horas, divididas em uma semana, sendo que revisei o material antes da entrega na semana seguinte. Porém, também tive livros que levaram meses para ficarem prontos, pois o material era mais extenso ou precisava de mais pesquisa.
Você estabelece um prazo de entrega?
Sim, mas às vezes é informal. Eu converso honestamente com os escritores e explico que as traduções técnicas que eu faço têm prazos bem mais apertados, então o cronograma de trabalho para a tradução do livro acaba não sendo tão rigoroso quanto eu gostaria. Se você não estiver lidando com uma editora, que precisa enviar a tradução para a próxima etapa do processo de edição em uma data certa, é possível deixar em aberto, mencionando talvez o mês de entrega em vez de um dia concreto. Além disso, se um escritor não puder pagar o preço total que você cobraria normalmente, você só estaria se prejudicando ao rejeitar projetos que pagam mais a fim de entregar a tradução do livro na data fixa combinada. De qualquer maneira, o melhor mesmo é manter uma comunicação aberta com o escritor para que tudo corra bem.
O que você sugere se eu quiser traduzir um livro de português para inglês, cujo original foi publicado no Brasil por uma editora de pequeno porte? Preciso procurar um advogado? (Contexto: o autor é meu parente e faleceu no ano passado.)
Em primeiro lugar, você precisa verificar o acordo que foi combinado com a editora. Em outras palavras, sempre que uma editora faz parte do processo, provavelmente existe um contrato e talvez a editora seja detentora de direitos parciais ou totais sobre o livro. Quando um livro é autopublicado, o escritor está no controle, disponibiliza os livros para o público, então é a única parte envolvida no processo e você pode fazer a negociação diretamente com ele. Na situação específica que você menciona, se escritor faleceu, verifique se o espólio do falecido detém os direitos sobre o livro e negocie com os responsáveis. No Brazil, um livro só entra em domínio público depois de uns 70 anos do falecimento do autor, então você não poderia traduzir e publicar o material por conta própria, sendo parente ou não, sem o consentimento do representante do espólio (geralmente o cônjuge sobrevivente ou um filho).
Como fica a edição? É claro que dá para editar por conta própria, mas livros geralmente precisam de um par de olhos a mais para ir de um livro bom para um livro excelente.
Concordo completamente! Para os livros que traduzi para o inglês, trabalhei com uma amiga que é revisora, então ela também atuou como leitora teste e fez ótimos comentários e sugestões para aprimorar a cópia final. No entanto, quando o orçamento não permite, uma boa abordagem é se distanciar do livro durante umas duas semanas, talvez, para poder voltar para a leitura com novos olhos e fazer a revisão pensando no leitor.
Como é feito o design da capa?
Se o escritor estiver encarregado do design da capa com o título traduzido e, preferivelmente, com a adição do seu nome, você só precisa passar essas informações para ele. No entanto, caso você seja responsável por essa parte, será preciso contratar um designer ou fazer por conta própria. Coloque-se sempre no lugar do leitor e faça o melhor para chamar a atenção e criar uma imagem elegante e impactante, pois num primeiro momento sempre julgamos o livro pela capa.
Onde posso encontrar imagens livres de direitos autorais para usar em capas de livros?
Antes de mais nada, é importante lembrar sempre que você não pode pegar qualquer imagem que encontra na internet e usá-la no seu site, no seu material publicitário ou na capa de um livro que venha a publicar independentemente. Então, a fim de se proteger e não violar os direitos autorais de ninguém, o melhor é sempre usar imagens distribuídas gratuitamente e que estejam especificamente disponíveis para reprodução com fins comerciais (ex.: a venda do seu livro), mencionando sempre o autor daquela imagem nos créditos. Aqui vão alguns sites com imagens livres para serem usadas como você bem entender: Public Domain Archive, Unsplash, MorgueFile, ISO Republic, PixaBay, Death to Stock Photo, New Old Stock, Super Famous Studios, PicJumbo, Gratisography, Free Refe, ImCreator, Jay Mantri, Magdeleine, Foodie's Feed, Picography e Raumrot.
Quais foram os desafios específicos que você enfrentou ao traduzir pelo BabelCube?
Pessoalmente, eu quis experimentar o BabelCube para encontrar livros italianos e ampliar o meu currículo, incluindo títulos de italiano para português e para inglês. No entanto, eu estava bastante consciente de que o formato deles admite somente a divisão de lucros, então eu me dei tempo suficiente para trabalhar no projeto meio que como um passatempo, porém sem prejudicar o meu trabalho garantido, que paga as minhas contas. É um risco, como mencionado anteriormente. Se o livro vender bem, você estabelece uma fonte de lucro; caso contrário, é um aprendizado válido e deixa o currículo mais robusto. Aqui estão alguns artigos que escrevi com mais informações de quando o Babelcube foi lançado:
O seu trabalho com escritores autopublicados representa uma parte significativa da sua jornada de trabalho?
No princípio, não. Porém, no momento, representa cerca de 50% do que faço durante o meu dia a dia. O trabalho técnico ainda é mais lucrativo e, sendo de curta duração, tem mais rotatividade, porém o trabalho literário está se desenvolvendo de maneira bastante sustentável e muitos escritores entram em contato comigo por recomendação de outros autores com os quais já trabalhei. ou até mesmo por meio de colegas que já conhecem o meu trabalho. Então, resumindo, quanto mais livros eu traduzo, mais livros acabam aparecendo, a ponto de eu ter trabalho em três livros completamente diferentes ao mesmo tempo, dedicando duas horas por dia para cada um e cuidando dos demais trabalhos técnicos menores no restante da jornada de trabalho.
RAFA LOMBARDINO is a translator and journalist from Brazil who lives in California. She is the author of "Tools and Technology in Translation ― The Profile of Beginning Language Professionals in the Digital Age," which is based on her UCSD Extension class. Rafa has been working as a translator since 1997 and, in 2011, started to join forces with self-published authors to translate their work into Portuguese and English. In addition to acting as content curator at eWordNews, a collective blog about translation and literature, she also runs Word Awareness, a small network of professional translators, and coordinates Contemporary Brazilian Short Stories (CBSS), a project to promote Brazilian literature worldwide.